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Desafio

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E agora que conhece os defeitos
Que viu as rugas e a unha encravada
Que conhece os cheiros e já velou os sonhos
E agora que sabe tanto
Dos enganos e desacertos
Da insegurança disfarçada
Da falta de jeito
E agora que cada porção humana foi tomada
pelo gosto
Que cada vento pensado
virou um turbilhão
Que a palavra
escapou
Agora, que a bendita se apropriou dos diálogos
Que os monólogos são recheados de queijos
vinhos e beijos
E agora que não sabe mais o que era antes
Nem o que virá depois
Desafio:
A amar no silêncio
A suportar os desenganos
A correr livre e ao lado
Desafio!
A ver a mulher e a menina
A ser o mar e o precipício
A mola e o chão firme
Desafio?
A se recolher às vezes
E então apenas deixar ser
E ser o que quiser ser
E muito melhor do que podia ser
Desafio…
A aceitar o riso fora de hora
E então
Quando a vida te trouxer pra mim
Saberá o segredo para se achegar à alma
bem guardada num cofre de coração
desafiado
lapidado
por amar demais.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

** Todos os direitos reservados à autora. **

A letra de sua boca

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Me prendi na letra de sua boca
E com ela consegui dormir
Acordei com ela, a letra de sua boca
em minha
Fotografei na memória, em preto e branco
e sépia
sua imagem que me aguça
Me adoça
Me aquece
E com ela quero
Ser
Ver
Sentir.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

** Todos os direitos reservados. **

Poesia ao cair da tarde

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Queria ser livre e poetizar ao cair da tarde
criar invencionices só pro bem do sorriso alheio
planejar revoluções que mudariam o mundo todo
Queria falar com doçura nas indiretas
E que as palavras fossem ditas ao pé do ouvido
que minha mente materializasse o cheiro
o gosto
o beijo
Só pra te ver na minha galeria de versos
(quase) impossíveis
Queria ser misteriosa e não dizer nada disso
não estampar no meu rosto meu estado de espírito
não sorrir pras paredes
fitar meus espelhos inexistentes
Ao invés:
Te faço um muffin
Te dou um dado
Invento a sorte
Esqueço o carro
o sarro
o gozo
o riso
E vivo!

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

** Todos os direitos reservados.**

Palavras derramadas

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Palavras derramadas

me descreve tuas lágrimas
são azuis como teus faróis?
me deixa sentir seu gosto doce-amargo
ou salgado
me diz por quem elas insistem em cair
denuncia o gesto, o afeto
me mostra tua dor
tua cor

quanto pesa teu sorriso?
o meu já não se sustenta mais
incrédulo
sem razão, insiste e brota
não quer mais ir embora

me descreve as tuas mãos
são doces como teu olhar?
me deixa senti-las, o veludo da pele,
o cheiro genuinamente teu
e diz por quem se entrelaçam
denuncia o gesto, o afeto
me mostra teu amor

Ana

Texto e foto: Ana Letícia.

** Todos os direitos reservados. **

O Buraco

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Quino

Contínuo esforço, esfarela como manteiga
Até certo ponto, em que trava tudo
No suspense, fui avisada
Insisti, e então…
Ele apareceu
Imóvel
Escancarado
Me encara
Me vigia
Como um olho onipresente
Em seu todo onipotente
Se empodera de mim
De minha mente
Me debulho em lágrimas
O mesmo que chuva na lagoa
Desequilibrando o ambiente
E o gato que se esconde
Em outro buraco
Enquanto nado em devaneios
Encontro uma boia
Um amuleto da sorte
A origem
O meio
Seria também o fim?

Ana.

Texto e foto: Ana Letícia.
*** Todos os direitos reservados ***

Mudo de assunto

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Correnteza

Estou aqui
Teclando para as paredes
Enxergando nos detalhes
Inventando entrelinhas
Fantasiando na tela em branco
Sem romantismo piegas ou paixonite aguda.
O encantamento chegou e parou
No sabor inusitado
Na foto espontânea
No vídeo engraçado
A faísca no olhar
Os grânulos de felicidade
A mensagem visualizada.
Mudo de assunto
Não de conversa.

Ana.

Texto e foto: Ana Letícia.
*** Todos os direitos reservados ***

O outro

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O outro chega e me aconchega
Só quero afundar em seu peito
Acarinhar para sempre seus cabelos
Conversar até o infinito e além
Sentir seu abraço me derreter
Em um momento que antecede o beijo
Em que sua barba me espeta carinhosamente
E sua respiração coincide com meu descompasso.
E então sentir-me-ei entregue e indefesa
Aterrorizada pela impossibilidade
Do choque de realidade de não poder
E então me frustrarei
E me recolherei
Na dor de nunca ser.
Dois pássaros voando
Desejo de criar asas…

Pássaros

Ana.

Texto e foto: Ana Letícia.
* Todos os direitos reservados *

A ladeira

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"Mandacaru quando fulora na seca..."  #mandacaru #flor

E daí se eu penso que tudo que escreves é para mim?
Se falo coisas sem sentido
– Ou com sentido só para mim
E você se ofende
Falo minhas verdades pois não as consigo segurar
Têm vida própria
Irremediáveis
E então me surpreendo com as palavras
Os poemas
Que outro destinatário têm
E que efeito sua voz provoca
Ressoa em minha mente
E se transforma em calafrios bons pelo corpo
E lembro do beijo
Da ladeira
Daquela tarde
E quero tudo de novo
Num misto de culpa, curiosidade e saudade
E então acha graça da minha falta de jeito
Da minha falsa timidez
Ou será que acredita que sou tão ingênua assim?
Não sei o que vai ser de mim
De nós
Dele
Da voz
Do amor
Do menino que vive em seus olhos
Do fim.

Ana.

(Texto e fotoAna Letícia.)

Borboleta e metal

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Ainda sinto seu abraço
E seu corpo no meu
Ainda sinto seu beijo
Tímido
E seu rosto limpo
De sabonete de mel
Saboreio sua voz
Vida em seu canto
Música de borboleta e metal
Desço do salto
E nas pontas dos pés
Danço em seus braços
E então sorriso nos olhos
Contidos
E no canto da boca
nasce
Um poema.

Ana.

Disfarce

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Boca

Levanta-se no meio da noite, pega o caderninho e rabisca um recado que ele não receberia, um desabafo que ela não conseguira verbalizar. Foi mais ou menos assim:

– Vou dizer de uma vez só
A minha timidez disfarçada de mulher mutante
Hiperativamente altiva
Espera mais que um sinal
Não tenho prática em decifrar enigmas
Não estudei quiromancia
Meus olhos apenas vêem o que o rosto deixou de esconder
Ouço as palavras ditadas
E minha mineirice, desconfiada, dá um grito de alerta
Antes que eu pule no precipício dos teus braços até não ter mais volta.
Com os dois pés atrás, piso em falso
Mais um entorce e mudo de caminho
Erro a direção
Ando sem poder andar
E me calo ante o inesperado.

E assim, sem um desfecho, ela fecha o caderno, guarda o lápis num canto do criado-mudo, vira-se para o outro lado da cama, sozinha, e volta a dormir.

Outro dia nasce, mais outros tantos se vão, e após uma tarde de chuva com sol, de papo bom, algumas indiretas despercebidas e um pouco de mistério, ele se despede sem um beijo – de novo!?, pensa ela – e ambos se viram em direções opostas, caminhando sem olhar para trás.

Ana.

Texto e foto: Ana Letícia.