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Poente

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Memorial JK 9

Um passarinho me contou
Que parou de chover
Contou do Sol e do seu sorriso falso
Da Lua e sua cara fácil
De suas palavras vazias e sua vida dupla
Nada era novidade
Só não quero ouvir o canto do pássaro
Não mais
Não caio no conto da carochinha
Que de carolinha não tem nada
Esqueço o mundo
Esqueço as horas
Mas não esqueço quem eu sou
Minha escola
E minha alma.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

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Sapatilhas e sonhos

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Hoje eu acordei com vontade de dançar
Sonhei que rodopiava e saltava, entre fouettés e grand jetés
Sapatilha furada de tanto ensaiar
Sonho de menina sobre pontas
Fitas de cetim e meia calça cor-de-rosa
Uma bailarina é uma bailarina o tempo todo
Saia, coque, arranjo de cabelo
E a maquiagem não pode faltar
Ser lúdico e musical
Ser leve e atemporal
Clássico ou contemporâneo
Ser etéreo e enérgico
Forte e frágil
Dançar é respirar

Ana.

Feliz dia da(o) bailarina(a) aos que dançam, aos que assistem, aos que gostam e admiram, aos que fotografam e aos que sonham!

(Texto e foto: Ana Letícia)

Cartas achadas

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Entro em casa e parece não haver ninguém. Somente um espectro daquilo que era antes de irmos embora. Alguns cheiros, agora vazios, faziam imagens vivas de quem se fora.

Arrumo e desarrumo as malas, as roupas, meio sem saber por onde começar. Alguns papéis espalhados pela mesa, contas pagas, notas fiscais, cupons velhos que descontavam alguns centavos de compras que jamais seriam feitas.

Livros – ah, sempre eles! – fora da estante. Pelo menos uns três andaram passeando por outras bandas. Folheados, marcados, e agora, esquecidos. Minha caneta preta repousava em cima do jogo americano da mesa de jantar. Ensaiara notas musicais e outros desenhos num bloco mais ao lado. E pra lá deste, folhas soltas com sua letra me encararam.

Peguei as palavras, de supetão, coração disparado e as folhas nas mãos, estaria ele aqui ainda? Me senti estranha ao ler palavras escritas que não eram pra mim. Mas não eram pra ninguém, a não ser pra ele mesmo, o escritor que aqui sentava, antes de irmos embora.

Pareciam cartas jogadas, achadas, marcadas, um diário solto, que não tinha continuidade, mas que contava emoções e sentimentos, sonhos das noites anteriores, nada mais.

Mas este nada é muito mais que um simples nada. E somente eu seria capaz de entender as palavras, a começar pela letra, que pareço conhecer desde sempre. Somente eu saberia que, quando ele escreve, é porque está bem.

Então meu coração se acalma, e outras lembranças chegam. Lembranças de um tempo em que eu mesma escrevia e esperava cartas chegarem pelo correio.

E elas demoravam, mas chegavam. E eram pra mim.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

E quando…

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Vida que nasce das pedras. #tiradentes #mg

E quando tudo parece perdido, e a noite demora a lembrar?

E quando as coisas mudam, as pessoas mudam, e você não quer mudar?

E quando o céu já está claro e você, pensando que é noite, fotografa a Lua? Mira o infinito? Joga pedra na ilusão?

Paga o pato, enterra o cão.

São caminhos pontudos de ladrilhos e ladeiras, cadeiras desossadas de manhãs sem sorrisos. Os dentes, pendentes, esboçam sorrisos roucos, poucos, assistindo estáticos às estátuas perambulantes.

Não levam espaços, levam barcos a vela, pavios e sonhos. Levam ondas de um mar que não existe, para um lugar que não há.

Mas me calo, espero passar. Prefiro a tolice à desilusão.

Teimosia é me entregar ao chão.

Uma pirueta e lá vou eu. Atrás do trio, elétrico, só vai quem já viveu.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

Saudosismo…

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Da Dor de se Amar Demais
(Texto publicado originalmente aos 22.10.2007.)

Poderia me abstrair de tudo e dizer, e acreditar, simplesmente, que me basta um amor tolo, como o tempo de duração do filamento de uma lâmpada comum, tácito, plácido, de desejo, pura e simples, explícito em tons pastéis, lânguido e preguiçoso. Não, não posso. Não sou assim.

Não costumo economizar. Há de sobra empolgação, falta de noção. Sou moça de horas, de dias, de anos, anos-luz. Mulher da dor de se amar demais e de se entregar, de ser perfeccionista com tudo o que faço e sinto.

Não há nada pela metade. Meias-palavras, meia foda, meia-calça. Meia-luz, pode até ser. Mas nem 8, nem 80. Ou é ZERO, ou é CEM. E vou de 1 segundo a 1000 km/h (e vice-versa) de olhos fechados, na fração de um momento, na feição, na emoção, no olhar, na letra, na ponta dos pés, no pingo do i. E é aí que mora o perigo!

E de tanto querer, há tanto sofrer. Tanta responsabilidade, tanta dor. E há tanto prazer… E há o lembrar, e há o sentir, e há o cheirar, e há o gostar. Pois não há amor sem gosto, lembrança sem cheiro, música sem gozo.

E depois daquele beijo, há a quebra. Há o limite ultrapassado, e tudo se torna tão bom quanto uma fotografia perfeita, a luz que aquece e ilumina seus loiros pelos, como num quadro de um filme, como um filamento de ouro deliberadamente largado, esquecido, sobre suas vestes… E tudo fica tão engraçado quanto numa comédia de palhaços tristes, tão natural quanto deitar na relva e sentir o cheiro da chuva, acariciar seu cão, dormir abraçadinho, mesmo quando não se está com sono, comer banana com queijo e lamber o fundo do prato até não sobrar um resquício de amor sequer.

Ana.

Texto e Foto: Ipê Amarelo: by Ana Letícia.

Cegueira

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Éli-Pê

Um dia uma folha me assustou, num branco pálido cegou minha mente, calou meus ouvidos e secou pensamentos. Muito a sonhar, mais ainda a trabalhar, nada a criar, exceto vidas ao alcance das mãos, exceto páginas cheias de nãos.
No dia seguinte e nos outros então, caminhei errante por pedras rolantes, escadas íngremes que nada ajudavam a dura aventura de vomitar palavras, cantos e contos. Os pontos finais, coitados, serviam apenas a frases malucas, que só sentido têm a quem não tem alma, só juridiquês.
A cegueira da folha branca um dia passou. Como num estalo, um verso brotou fujão, quase me escapa o pensar, escorria pelo lado direito que nem fumaça de incenso, preguiçoso ele de se deixar escrever.
Sou adepta da escrita e do grito, mas sem a ajuda do grande irmão, doutor em senhas e códigos, nada sou, nada faço, não nado, não surfo, não vôo. Não falo, não vejo, não ouço. Será?
Comecemos então:
– Asdfg, maiúscula, vírgula, ponto, deixa estar.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

Desejos

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Faça um pedido, eu vou te mostrar.
Um desejo apenas, que vou te brindar.
Faça o que eu faço, vou te falar:
Uma moedinha vou atirar.
Jesus pequenino, me faça um favor,
Atenda o meu pedido, uma boneca e uma flor.
Uma bicicleta, pro menino ao lado.
E que tenha sempre comida no prato.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

Balões de Gás

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Flutuo sobre meus saltos, altos, finos e leves. Caminho sobre nuvens, em passos largos e saltitantes, com cuidado para não furar os flocos de algodão-doce sob meus pés de bailarina. Calejados pés, que sentem e sofrem, hoje e sempre, mas que me mantêm firme no chão, sonhando acordada e voando, como um balão.

Lá embaixo vejo cores: vermelho, amarelo, rosa, verde… Vejo fumaça e som, silêncio e música, carinho e sensações. Amigos, pais, flores e cerejas, chocolate e velinhas faiscantes. O vento me inebria, e a noite me envolve, molhada de chuva, suor, lágrima, cerveja, riso, fantasia e pirulitos. Passam luzes, passam carros, gritos e flashes. Pensamentos passam, e lembranças também. E o aperto de saudades do meu tamborim enche meu peito de batuque, cavaquinho e atabaque.

E a tradição vai se manter: eu sambo pra viver, e vivo pra sambar. E a chuva a cair, e o vento a soprar. O mundo gira, não pára nunca, e eu vou andando, caminhando lépida e sempre, correndo em direção ao arco-íris. Fujo do infinito, do céu e do outono, sonho com a Lua, e um perfume de gardênia vem me inspirar a noite, e um céu azul desanuviado amanhece na primavera de cheiro de terra molhada e plumas flutuantes. Estas sim, de vida curta, são como eu, dependem do vento pra assoprar. Já não disse o poeta, o grande maestro, que felicidade tem fim, como o carnaval?

Logo em frente, tem um palco. Subo as escadas e vejo tudo do alto. Luzes me cegam, e o barulho se agita em cortinas de metal e jasmim. E olhos a me procurar. Olhos a me fitar. Olhares que fogem, se encontram, e depois furtam mais alguns minutos de minha existência. Uma mecha escorre pela testa, por causa do vapor do ventilador. Estranheza, coração, surpresa, emoção.

Uma mensagem, duas, três. Guardo logo tudo de uma vez. Canto o parabéns, dou um rodopio, giro num pé só, pulo amarelinha, caracol e giramundo. Pensamento imundo de um insano trapalhão. Mundo tosco de uma noite de verão.

E viva eu, viva tudo, viva o mico narigudo! Viva nós, viva a chuva, viva o cheiro e o olhar, viva o presente e o que virá, viva o céu, viva a roda, o sorvete, o creme de leite e a lanchonete, o submarino, o submerso, o submundo, e o subversivo, o tropicalismo, o tropicaliente, o leite quente, e o invisível, viva o não-dito, viva o pensamento, viva a vida, VIVA!

Ana.
(Texto e foto.)

Fragmentos

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Arranca-me da tua cabeça e faz-me rir. Olha-me com teus olhos nus e sorri.
– Estás rindo de mim?
– Não, para você.

Me olho no espelho, e falta uma parte da face. Deixei ali, jogada pelo travesseiro, junto com o secador de cabelos. Estava molhada, não prestava. Preciso usar minha máscara de mulher forte, engraçada e sabichona.

Você levanta e diz que quer dançar, tomar um refresco, um pouco de ar. Diz que a vida não presta, e que é tudo mesmo assim. Vira pro canto e não liga pra mim.

Me embriago de vida, de histórias, de vento. Me encho de Lua, de terços e santos, me sento. Rezo. Rezo tanto!

Levanto a blusa de cetim, suja do meu corpo. Cansada e trouxa, fico nua no beiral.
– Será que ele me viu assim?

Paro e lembro da noite anterior. Perfume de xaxim, lirismo de jardim, um pouco de sangue no álcool pra ver se vai dar pé.

Como contar uma história se ela não tem fim? Se não é feliz, e se nem triste é. Não me faz chorar, nem me emociona. Não solto gargalhadas sem fim, não sinto saudades, não.

Pra quê contar, então? Não contarei.

Calo minha boca. Dormirei assim, sorrindo, nua no beiral, junto ao vento, no sereno e ao relento, suja do corpo, da trouxa, do riso, do gozo, do mofo, do moço, que um dia sorriu pra mim. Sou fragmentos de mim.


Texto e foto: Ana.

A Amiga

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Falava sempre aos amigos, de uma tal Donária. Nunca ninguém a viu, mas parecia ser uma amiga engraçada, sempre com os casos mais esdrúxulos a contar. Todos perguntavam, em coro:
– Dô-o-quê?
– Do-ná-ria!
– Que nome diferente!
– Pois é…

Donária era sua companhia para as aventuras mais hilárias. Jogar pedra no rio, catar coquinho, fazer guerrinha de mamona, pular o muro de casa, roubar manga do vizinho, beber até cair, dançar no balcão do bar… e por aí vai.
– Mas que doida esta Donária, heim?

Atiçava a curiosidade de todos. Donária já fora loira, já tivera os cabelos lisos, já fizera permanente nos cachos e usara lentes violeta. Donária já fora para a Europa, já lera todas as obras de Graciliano Ramos, já tivera a coleção inteira do Iron Maiden, já fora num show dos Beatles e já beijara o Jim Morrison. Donária era amiga da filha do Cartola!
– Essa Donária é danadinha mesmo, heim?

Aprendera a nadar com a Donária. A sorrir, a brincar, a dançar e a chorar com a Donária. Era ela quem lhe ensinava as maldade dos homens, e lhe contava das maravilhas mundo afora. Era ela que falava inglês com sotaque britânico perfeito, e que inventava os apelidos mais engraçados para os outros.
– E que dia vamos conhecer essa tal Donária?

Certo dia, ligou para a mãe, dizendo que estava no Shopping com a Donária, na loja tal. Mas sua mãe era esperta, pegou o carro e foi pra lá. E qual não foi a sua surpresa quando a mãe ali chegou, perguntando por Donária?

Donária era sua amiga… Imaginária!


Texto e foto: Ana.

Ps.: Este texto é para a Donária, que não é amiga imaginária!