Arquivo da tag: Coração

Desafio

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E agora que conhece os defeitos
Que viu as rugas e a unha encravada
Que conhece os cheiros e já velou os sonhos
E agora que sabe tanto
Dos enganos e desacertos
Da insegurança disfarçada
Da falta de jeito
E agora que cada porção humana foi tomada
pelo gosto
Que cada vento pensado
virou um turbilhão
Que a palavra
escapou
Agora, que a bendita se apropriou dos diálogos
Que os monólogos são recheados de queijos
vinhos e beijos
E agora que não sabe mais o que era antes
Nem o que virá depois
Desafio:
A amar no silêncio
A suportar os desenganos
A correr livre e ao lado
Desafio!
A ver a mulher e a menina
A ser o mar e o precipício
A mola e o chão firme
Desafio?
A se recolher às vezes
E então apenas deixar ser
E ser o que quiser ser
E muito melhor do que podia ser
Desafio…
A aceitar o riso fora de hora
E então
Quando a vida te trouxer pra mim
Saberá o segredo para se achegar à alma
bem guardada num cofre de coração
desafiado
lapidado
por amar demais.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

** Todos os direitos reservados à autora. **

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A casa das paredes felizes 

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Na casa das paredes felizes existem mensagens espalhadas pelos cantos
poesias em cada ponto
histórias em cada quadro

Na casa das paredes felizes os móveis sorriem
o sofá abraça
a cama serve o café da manhã
a sala fala de amores e amigos, toca canções da alma e inventa danças

A casa das paredes felizes já era linda
e ganhou enfeites
mares amarelos
luzes e novas cores
Se embelezou com novos tapetes
taças e até geladeira

E a casa sorriu para a visitante
que só trouxe de presente sua presença
mas ali deixou alguns novos cheiros
sabores
temperos
e algumas surpresas também

A casa ganhou novos carinhos e poemas
se encheu de boas memórias
e doou outras tantas

Eu fui tocada por sua magia
e hoje digo a ela que me aguarde
pois lá deixei algo sem o qual não vivo
meu coração…
… volto para te buscar.

A hora mais bela

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Na hora mais bela, em que os gatos são pardos, o prenúncio da noite que ainda não é determina o exato instante em que o general caminha de volta pra casa. Leva consigo uma pequena pasta de couro, com documentos da lida diária. Mas o que há dentro da pasta não importa, o que nos interessa é saber que o general caminha com um segredo – que já não é tão secreto assim…

O imponente general é visto por aí com um brilho diferente em seus vivos olhos e um sorriso faceiro que insiste em se fixar… Alguns soldados vinham comentando entre si que o general já não era mais o mesmo, além da farda mais bem passada que o costume, a cada dia aparecia mais perfumado, sempre com um cheiro novo. Teria sido tocado o general por uma doçura suficiente para amolecer seu coração?, pensavam, ingênuos. É que muitos não sabiam que o general, no fundo, não tinha o coração de pedra. Pelo contrário, sua alma era tão poética e amanteigada quanto o mais leve croissant de um café na Rive Gauche. Seu coração era tão grande e macio quanto o mais romântico dos mortais, doce como um pastel de nata, com um toque de canela.

E na hora mais bela, o general caminha leve, levando consigo o sorriso permanente, o brilho que transpassa a alma e ilumina de amarelo as sombras, e o segredo que não é secreto. Fita o horizonte crepuscular procurando pelo irrepetível, pelo tempo que passou e pelo que ainda está por vir, e, estendendo uma das mãos, tenta tocar uma nuvem cor de rosa, como quem tenta prender o tempo que corre por entre os dedos. E então, em resposta, o céu alaranjado, quente como certos lençóis, abraça longamente o general, e uma brisa suave toca seus cílios, lambe a ponta de seu nariz, beijando seu rosto e sussurra mais um segredo em seus ouvidos: “Permita que o poeta em mim não cesse…”.

O general em silêncio contemplativo permanece, iluminado pela própria luz que irradia, abala o inabalável explicando o inexplicável ao descompassado e insensato coração, assoviando um fado alegre sobre a vida, bela, dela.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

** Todos os direitos reservados.**

Defesa

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tempestade
Não, eu não gosto mais de você.
Fui dormir em uma noite qualquer pensando sobre a gente… Quando acordei no dia seguinte, a magia tinha se acabado, simples assim.
A princípio fiquei atônita, procurando aquelas borboletas com as quais aprendi a conviver, tentando entender o porquê de eu não sentir mais o que sentia na noite anterior.
Mas aí, simplesmente, cansei. Cansei de procurar, de tentar entender. E foi aí que eu entendi: cansei de promessas vazias de pés juntos e dedos cruzados. E quanto mais entendi, mais atônita e cansada fiquei.
Não, eu não me canso facilmente. Mas meu coração cansa. Ele é calejado, e não aceita ser quebrado mais de… Duas vezes. Na terceira, ele vira pedra oca, não chora mais.
Apesar do vazio e da aparente insensibilidade, me comovo com algumas notícias suas, me revolto com outras. Às vezes sinto vontade de te ligar, conversar. Depois passa… E como passa rápido!
Não vou mentir para mim mesma que não sinto um arrepio bom quando ouço sua voz. Que meu coração não dispara quando você dá algum sinal de vida. Que vejo sua foto e não me imagino ao seu lado. Que não queria, agora, sentir seus cabelos entre meus dedos, sua barba no meu rosto.
E mesmo com essa nostalgia toda, eu digo não.
Eu não gosto mais de você.
Em minha defesa, exorcizo o resto de você, que ficou em mim, nessas linhas. Exercito minha auto análise, e me declaro, definitivamente, livre.
Ou não.

Ana.

Texto e foto: Ana Letícia.

Para trás

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arco
Não volto nunca mais, ele disse.
(Quero voltar…)
E ao ir embora, perguntou se não tinha ficado nada para trás.
Nada, respondi.
Ficou tudo, pensei.
Seu cheiro, seus pelos, seu lugar na cama, seu vazio, seu inteiro.
A ausência de sua voz, nossas brigas, seus abraços, meus cabelos em teus braços.
A toalha usada, a roupa de cama suada, minha camisola surrada.
Pegadas pelo chão.
Um coração.
Eu.
Só.

Texto e foto: Ana Letícia.

Voltando…

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Flor e luz

Então voltei à caneta e caderno.
Tenho pensado o porquê de, ultimamente, estar resistindo tanto a isto. Escrever.
À mão livre. Com a tinta escorrendo pensamentos no papel branco. Coloco desculpas na falta de tempo. No trabalho. Na rotina. No sono. No vinho.
Mas a verdade é a dor. Não é nada grave. Não é nada crônico.
Mas é física essa dor.
Acho que é a dor de ter as palavras e sentimentos hermeticamente calculados entre margens, logotipos, páginas numeradas e pareceres esteticamente organizados, assim como os pensamentos juridicamente treinados.
A dor é de tanto digitar. Enquanto uma mão digita, a escrita sofre, destreinada que só ela.
A letra, antes redonda, agora se acostumou obtusa, angulosa e desleixada, só sabe rubricar páginas e assinar em linhas tênues e contínuas, acima de meu nome.
Que coisa louca é essa tal de tecnologia, que nos liberta e aprisiona, tudo ao mesmo tempo. São tantos interesses, passatempos, jogos, vídeos, que, de tão variados, se tornam dependentes de nós mesmos, de nosso tempo, da nossa boa vontade.
Que rede social é essa, em que todos se apresentam felizes?
Prefiro o contato social, fazer o social, ser social.
As socialites que me perdoem, mas não é delas que estou falando.
As socialistas que me perdoem, mas beleza é fundamental. (E o socialismo já acabou, não é mesmo?)
E, de tanto escrever assim, agora, caneta no papel, tinta e pensamento, lá vem ela. A dor. Que me fatiga os dedos e músculos das falanges da mão destra.
Enfim me despeço, entre rabiscos quase ilegíveis.
Preciso digitar.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

As melhores surpresas

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17:30h, no ponto de ônibus. Line sai do trabalho aliviada por não ter ficado nem um minuto a mais, e posta-se a esperar o Circular 01 – Contorno, para voltar para casa. Posta-se de costas pro passeio, de pé, olhando em direção ao outro lado da rua, onde pessoas pedalam bicicletas sem sair do lugar, dentro de uma sala fechada com luzes de boate: spinning in door, na Academia Corpo em Forma. Pensa rapidamente que está cansada demais de tudo pra aguentar uma ginástica destas após o trabalho.

Tato chega com sua mochila. Encabulado e exausto, toca no ombro de Line e sorri com os olhos.

Line se vira assustada, e se espanta mais ainda ao ver Tato bem ali na sua frente. O abraça imediatamente, dando-lhe um beijo estalado no pescoço, próximo à orelha. Sente seu cheiro, escondido atrás dela, próximo do cacho de seus cabelos castanhos: shampoo de camomila, sabonete neutro, cravo, canela, homem. Os mesmos cheiros que ela sentira em seus livros, seu quarto, suas cartas. Ela se lembrava…

As bochechas rosadas dele não a deixavam enganar, corado de timidez e felicidade, tudo ao mesmo tempo. Trazia ainda um envelope murcho em sua mão molhada de suor, ansiedade que ele tentava disfarçar.

Estende a mão com o envelope em direção a ela, ainda encabulado, fitando o chão.

Line procura seus olhos e toma o envelope. Ele levanta a cabeça e a encara, respirando fundo. Com a outra mão, ela segura a mão livre dele, gelada. O abraça novamente, emocionada. Carinhosamente, ele toca seus lábios num beijo doce e leve. Ela sempre adorou o jeito meio sem jeito que ele a beijava quando não sabia o que fazer.

Ela abre o envelope, endereçado a ela. Dentro, um pequeno bilhete. Os dois se olham e sorriem.

Ela finalmente retira o bilhete de dentro do envelope, dobrado ao meio, o abre e então vê a foto dos dois, do último encontro, impressa em branco e preto. Embaixo, a letra dele, cuidadosamente grafada com caneta de tinta preta:

AS MELHORES SURPRESAS SÃO AS QUE VÊM DO CORAÇÃO.

Ana.

* Texto publicado originariamente em 27/07/2007.

Pausa.

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De vez em quando o peito aperta, como se fosse um mau pressentimento ou algo do tipo.

Na noite de 11/01/2011 não foi diferente. Resolvi telefonar. Liguei uma, duas, três vezes. Caixa postal.

Na quarta tentativa, não foi ele quem atendeu. Me foi dito que ele estava em uma situação delicada, impossibilitado de falar ao telefone. Veio uma pontada em meu peito, a certeza de que algo estaria acontecendo.

Hora e meia depois atendi meu telefone. Desta vez era ele quem ligava, dizendo que já estava bem. O problema havia sido um defeito na fechadura do banheiro, que o deixou alguns (muitos) minutos trancado por dentro. Culminou com a desmantelação das dobradiças, para que a porta se abrisse, com direito a ferramentas pela janela e tudo mais.

O pior havia passado, pensei. Mais calma, dormi.

No dia seguinte, em meio aos afazeres profissionais, fico sabendo por e-mail que Teresópolis, Nova Friburgo e Itaipava (Petrópolis) estavam caóticas por causa das chuvas…

O resto virou história: http://olhaosemblante.blogspot.com/2011/01/voltemos.html.

Ana Letícia.

Ps. 1: Foto tirada em abril/2010. Assim era o rio em Itaipava que destruiu o Vale do Cuiabá na enchente do dia 12/01/2011.

Ps. 2: Para ajudar as vítimas da enxurrada que varreu a Serra Fluminense, acessem o G1.

Arrebatador (*)

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Sem cabeça
(*) Texto original publicado aos 14.06.2007.


Vou parar de fingir que não estou nem aí. Vou parar de fazer ironias e dizer coisas sem sentido, e nunca falar o que eu quero de verdade. Vou parar de fingir que estou tranquila no meu canto e que não penso em você a todo instante.

Vou parar de fingir que não quero falar com você todos os dias e parar de fazer o tipo “ocupada todo o tempo”. Não mais fingirei que não fico todos os dias te esperando dar um sinal de vida, tomar mais uma pílula que seja de sua atenção.

Não vou mais fingir que não me decepciono, que toda a minha agressividade, ironia e sarcasmo não são em decorrência de faltas e atitudes.

Não falarei mais com você sobre coisas não corriqueiras, mas sobre como foi o meu dia, perguntarei como foi o seu, admitirei que faço planos, sonho, penso e programo um monte de coisas, erro, grito, xingo, faço xixi e tremo choro quando estou com raiva.

Vou parar de fingir que não me lembro do seu toque, da sua voz. Vou parar de fingir que não me apaixonei por você.

Quero ouvir todas as suas letras, não só as entrelinhas. Quero parar de decifrar símbolos, palavras, reações. Quero simplesmente ouvir que me quer e nada mais. Simples assim.

Vou te falar uma só coisa: esta não é só mais uma historinha de amor, dessas que a gente menciona pros amigos, filhos e netos, um caso, uma aventura, algo que morreu por aí.

Vou parar de enrolar e dizer de uma só vez: eu quero que seja arrebatador.

Ana.

(Texto e foto: Ana Letícia.)

Vale a pena ler de novo

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O post de hoje é um pequeno conto, publicado neste blog em 27 de julho de 2007… Nunca é tarde para ler de novo.

TATO E LINE

em…


:. As melhores surpresas .:

17:30h, no ponto de ônibus. Line sai do trabalho aliviada por não ter ficado nem um minuto a mais, e posta-se a esperar o Circular 01 – Contorno, para voltar para casa. Posta-se de costas pro passeio, de pé, olhando em direção ao outro lado da rua, onde pessoas pedalam bicicletas sem sair do lugar, dentro de uma sala fechada com luzes de boate: spinning in door, na Academia Corpo em Forma. Pensa rapidamente que está cansada demais de tudo pra aguentar uma ginástica destas após o trabalho.

Tato chega com sua mochila. Encabulado e exausto, toca no ombro de Line e sorri com os olhos:
– Oi… – Ele diz, meio sem jeito… Sem saber o que dizer, o “Oi” com voz embargada foi a única coisa que ele conseguiu proferir.

Line se vira assustada, e se espanta mais ainda ao ver Tato bem ali na sua frente. O abraça imediatamente, dando-lhe um beijo estalado no pescoço, próximo à orelha. Sente seu cheiro, escondido atrás dela, próximo do cacho de seus cabelos castanhos: shampoo de camomila, sabonete neutro, cravo, canela, homem. Os mesmos cheiros que ela sentira em seus livros, seu quarto, suas cartas. Ela se lembrava…
– Ahhnn? Como assim? Não acredito que está aqui! – Exclama, deixando transparecer uma alegria incontida em seu tom de voz.

As bochechas rosadas dele não a deixam enganar, corado de timidez e felicidade, tudo ao mesmo tempo. Traz ainda um envelope murcho em sua mão molhada de suor, ansiedade que ele tenta disfarçar.
– Vim te ver… E te entregar… isto. – Estende a mão com o envelope em direção a ela, ainda encabulado, fita o chão.

Line procura seus olhos e toma o envelope. Ele levanta a cabeça e a encara, respirando fundo. Com a outra mão, ela segura a mão livre dele, gelada. O abraça novamente, emocionada. Carinhosamente, ele toca seus lábios num beijo doce e leve. Ela sempre adorou o jeito meio sem jeito que ele a beijava quando não sabia o que fazer.

Agora ela olha para o envelope.
– Está meio vazio isso aqui, heim? – Ela percebe que o envelope amarelo, apesar de aberto, estava endereçado a ela. Dentro, vê um pequeno bilhete e um selo.
– É a resposta de sua carta, Line… – Tato diz, com convicção. Ele sabia que ela reagiria desta forma, já estava acostumado com seu jeito direto de dizer as coisas, sem papas na língua. Ele gostava daquilo, pois sabia que ela era incapaz de mentir.
– Sério? Poxa, eu escrevo 11 páginas procê, e cê me responde com apenas um bilhete e um selo? – Diz ela sorrindo, com um tom de comédia na voz, só pra provocá-lo…

Ele solta sua gargalhada característica, não cai nas provocações dela, apesar de adorar aquele jeitinho meio bravinho e brincalhão que só ela possuía. Ele a entendia e adorava!
– Não, Line: o bilhete, o selo, e EU, né? – Responde ele, apertando-a novamente contra seu peito. Os dois sorriem.

Ela finalmente retira o bilhete de dentro do envelope, dobrado ao meio. Abre e vê a foto dos dois, do último encontro, impressa em branco e preto. Embaixo, a letra dele, cuidadosamente grafada com caneta de tinta preta:

AS MELHORES SURPRESAS SÃO AS QUE VÊM DO CORAÇÃO.

***

Ana.
Photo by: -gadgetgirl-