Não me lembro mais do tempo em que eu somente existia. O sobreviver era muito mais do que eu mesma poderia me dar. O sorriso engessado, os pés enraizados no chão de concreto, o céu me era inalcançável. Naquele tempo, do qual não me lembro mais, a visão era curta e daltônica, a existência era turva e meu corpo era revestido de uma armadura de minério de ferro, o que tornava difícil o movimento, porém me protegia das intempéries do inverno existencial.
Mas eu quase me lembro com exatidão do dia em que fui tocada por uma luz tão forte que me tornou cega para o que se foi, e me fazia então ver o que se encontrava mais à frente. E por não poder ver o escuro em que antes estivera, passei a inventar cores e ouvir coisas que há muito não ouvia, por puro encantamento. Minha armadura se liquefez e, pouco a pouco, deixei-me deslizar em direção ao sol que me extasiava, me aquecia. E quanto mais perto, mais sorrisos espelhados, sensações inesperadas, abraços surpresa, eu já não temia me queimar. E então descobri que antes eu apenas jazia, e que agora vivo sem arremedos de felicidade, completamente recheada do mais puro brilho estelar, da gargalhada mais gostosa, o tempo a sorrir e minha alma a cantar, cantar, cantar…
Ana.
(Texto e foto: Ana Letícia.)
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