O mundo lá fora era barulhento. Não tinha vozes de crianças, não se jogava amarelinha, nem se brincava de rouba-bandeira. Ruídos eram os das máquinas de quatro-rodas, das conversas adultas e dos morcegos que rondavam a região.
Engraçado como as árvores frondosas e centenárias, tão ornamentais e úteis para a cidade, no seu papel de refresco e retenção das águas das chuvas, poderiam abrigar seres tão medonhos e horrendos. Morria de medo quando tinha que fazer o percurso a pé, dos tais poucos quarteirões que a levavam da escola à casa, naquele horário de lusco-fusco, começo da noite.
Final de ano era chuva na certa. E às 18h, quando batia o sinal do Colégio e os coleguinhas entravam nos carros dos motoristas dos pais abastados, era sua hora de bater perna morros acima. Coraçãozinho disparado, mochila pesada, não podia correr. Havia uma casa… mal-assombrada. Nunca vira movimento algum lá dentro. Dizem que era habitada por fantasmas, e pelas sombras que rondavam por ali, habitantes das trevas e da enorme árvore, torta e cheia de sulcos e reentrâncias. O tronco negro, só podia ser oco, a casa dos seres das trevas, as raízes expostas eram como braços, querendo abraçá-la e levá-la lá pra dentro.
Passava sempre quase correndo , evitando olhar, com medo do que poderia ver. Jurava ouvir gritos de horror, ranger de dentes, e aquele cheiro de terra molhada de chuva e de musgo, que para ela, àquela hora da noite e naquele local assustador, parecia cheiro de mofo, de gente velha descuidada, de morte.
Mas era só o dia clarear, a luz do sol penetrar por entre as frestas das folhas, traduzindo num translúcido verde, cristalino e cintilante, para sentir o perfume de alecrim e lavanda que habitava os jardins das casas. E as sombras não mais ali estavam, dormiam naquele horário. E o sinal da escola já batia, e ela corria, para não se atrasar. E recreio, e morrinho, e terra, e suor, e bola.
E ela não poderia imaginar que um certo tempo depois, faria parte do mundo preto e branco e cinza dos adultos que circulavam por ali quando era menininha, com suas pastas e sombrinhas sem graça, sem sentir cheiros, sem ver as sombras e nem os morcegos – que se cansaram mudaram pra outro lugar.
Texto e foto: Ana.