De mulher para mulher

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Belo Horizonte, 14 de maio de 2007.

Renata,

Como você está? Eu vou indo…

Sábado eu estava muito carente… Acordei e fui direto ao banheiro, lavar o rosto. O ácido glicólico que venho passando todos as noites finalmente tem dado algum efeito, pois creio que minha cútis tem se tornado cada dia mais fina e clara.

A água gelada que me molhava as bochechas e as mãos misturaram-se com gotas outras, cálidas e salgadas: lágrimas que brotavam de minha alma maltratada e só. Este choro matinal repentino me apertou a garganta, e trouxe um gosto amargo à boca. Apesar de ter bebido um bocado também na noite anterior, era diferente, mais doído, mais sentido.

Aproveitei o ensejo e escovei os dentes. Até minha escova também me fazia lembrar dele: é elétrica e de sua cor preferida, e fora um presente dado poucos meses atrás. A única lembrança guardada, também, a de mais prática utilidade.

Sentei-me à mesa para o desjejum. Servi-me de café preto e forte num copo de vidro, destes americanos. Era também assim também que ele bebia, dispensando a xícara e o pires, coisas de ingleses frescos, segundo seus ilógicos pensamentos. Vai entender…

Levei o copo fumegante à boca, nem aguardei que o líquido negro esfriasse um pouco, e também, esqueci de assoprar a fumaça que teimava em subir e condensar nas bordas do vidro. Sorvi a bebida. Eca, amargo! Resmunguei em voz alta. Esqueci o adoçante… 7 gotas, como minha mãe me ensinara há tantos anos. Assim o fiz, repetindo esta cena, que protagonizava todos os dias pelas manhãs: contei 1, 2, 3, espremi bem o vidro, saiu logo um jato. Ah, no total devem ter sido 7 gotas. Misturei e tornei a beber. Queimei a língua novamente, como era de se esperar. Um dia ainda terei uma doença grave de tanto sapecar minha língua, pensei, dando de ombros, enquanto passava a manteiga na torrada, recém assada.

Nem consegui morder o pão. Uma torrente de lembranças assolou meu ser, e o café, antes doce pelo aspartame, tornou-se salgado e amargo. Tudo outra vez… A partir daí, não enxerguei mais nada, mergulhando cada vez mais fundo em meu pranto de solidão.

Não sei quanto tempo se passou, mas de súbito, ouvi uma voz. Reconheci: mamãe me chamava e acariciava meus cabelos, ainda despenteados. Filha, lave o rosto, está inchado! Você me parece horrível… Precisamos fazer alguma coisa… Foi o que ela me disse, sempre conscienciosa, direta e firme, mas nem por isso, pouco terna.

Respirei fundo, levantando a cabeça. Doíam-me as têmporas. Assoei o nariz de uma só vez, como que expulsando de mim aquela dor, o que me fazia sofrer. Limpei com o papel toalha, por nós utilizado à mesa como guardanapo.

É mãe, vamos fazer compras! E abrimos os sorrisos, e nos abraçamos, e nos entendemos, e nos cuidamos.

Após R$ 767,45 a menos em minha conta-corrente, fiquei bem, e o meu guarda-roupas, mais cheio. Nada como um dia no shopping para melhorar o humor de qualquer mulher na TPM!

Cuide-se, minha amiga. Espero notícias suas.

Um beijo,

Geórgia.

... 2007 ...

(Foto by lluma2007.)

Texto por: Ana.

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Sobre Ana Letícia

@analeticia Autora do blog Mineiras, uai! desde 2004, nasceu em Belo Horizonte-MG. É advogada e sagitariana. Gosta de poesia, literatura, fotografia música boa e dança clássica, contemporânea, de salão, etc. Já quis ser bailarina, como toda menina, e até hoje fica nas pontas dos pés. Participou do Projeto Macabéa com outros escritores blogueiros do Brasil, e foi uma das editoras do Castelo do Poeta, junto com seu primo, o saudoso poeta João Lenjob.

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