Ao medo

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Paraliza, refrigera, condena.

Achei que nem estava ali. Do meu lado não, tenho certeza. E mais um passo meu à frente e você surge, imponente, turrão, a própria Grande Muralha da China, instransponível e monumental. Me empurra de volta, guilhotina de sonhos, catapulta de horrores.

Por que faz isso comigo? Gosta de me irritar?
Não faz a mínima questão, não é mesmo? Brinca com meu brinco, me olha, me joga, me pinta, me acusa. Me chama de querer bem, ignora, me esfrega na cara sua covardia, teimosia.

Diz uma coisa: é chato ser chato? Pois eu penso que até se diverte com isso. Zomba com a cara dos outros. Protege seus erros, recua… Justifica que assim tenta poupar os outros do próprio mal. Balela.

Você se esconde. Vive no crepúsculo, nas metáforas, no chove-não-molha, não chora, sem jogo, sem dor. E não vê que é assim que joga mais… Receio da chuva? Um gole d’água no peito faz até bem. Bebe e aceita um lampejo de cristal nos olhos faiscantes, e um girassol brota em seu ouvido, e sussura sobre moças de vestido de cetim azul e bigodes de gatos e flocos de neve e… A luz se apaga, o cinza te consome… Mais uma vez.

Menino assustado, você não passa disso. Sobressaltos com a própria sombra, vive à margem da grande imagem do que pode vir a se tornar. E assim, não alcança, nunca, a tela do cinema do filme da tua vida.

Eu sei, você sofre com isso. Inventa diversões e casos engraçados, histórias que nunca viverá, foge do assunto, finge que nem é com você. E ainda assim, sofre.

Mas eu sei que você queria ser livre pra atravessar o céu num suspiro, abraçar o mundo com um dedo, e carregar o suor das flores no cheiro da chuva. E você me inveja por isso.

Pois eu sei,
eu faço,
eu sinto,
eu choro,
eu brinco,
eu coro.

Eu sou mais eu. Amora e tangerina, baunilha com orquídeas em flor. Mais um passo e caio do edifício, na difícil tentativa de viver.

Prefiro o salto (alto).


Texto e foto: Ana.

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Sobre Ana Letícia

@analeticia Autora do blog Mineiras, uai! desde 2004, nasceu em Belo Horizonte-MG. É advogada e sagitariana. Gosta de poesia, literatura, fotografia música boa e dança clássica, contemporânea, de salão, etc. Já quis ser bailarina, como toda menina, e até hoje fica nas pontas dos pés. Participou do Projeto Macabéa com outros escritores blogueiros do Brasil, e foi uma das editoras do Castelo do Poeta, junto com seu primo, o saudoso poeta João Lenjob.

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